sexta-feira, outubro 29, 2004

Carta do amigo de uma amiga, publicada à revelia, editada (maiúsculas e digitação) sem consulta.

"Bom, primeiro quero dizer que acredito na democracia e que qualquer que for o resultado dessa eleição, vou continuar trabalhando. Seja pro estado junto à Funap - Fundação de Assistência ao presidiário, seja na prefeitura, acreditando na lei de fomento ao teatro para a cidade de São Paulo. Vou continuar lutando contra o racismo policial e acreditando no que faço. Apostando na cultura e educação como pilares de transformação social. Mas tenho minha posição. Não é nada, não é nada, pode ser nada. Mas prefiro não me omitir. Muitos amigos pra quem eu estou mandando esse texto não concordam comigo. Ok, isso é democracia. Mas mesmo assim, vamos lá. Tenho nós nos ombros e na garganta. E falar do que se sente sempre é bom.

Estamos aqui a um passo de uma eleição inesquecível. Uma eleição machista, segregacionista, burguesa. Os ônibus perderão dos carros, o Jardim Nakamura do Jardim Paulista, os CEUs dos... o que mesmo? Desculpem falar disso mas tá foda. Tô puto. E não tô puto porque o Serra está ganhando. Se ele ganhasse por mérito e reconhecimento da população por seus feitos, ok. Eu tô puto porque dos que votam no Serra, pouquíssimos me dão um motivo político ou social ou econômico ou de planejamento pra votar no cara. Não que eu ache o governo atual livre de críticas e erros. Muito pelo contrário, acho a Marta prepotente em muitos momentos (bom, vocês dão bom dia pra quem todo dia? Pro porteiro? Sabem o nome dele? Olham nos olhos de quem vocês dão aquelas moedinhas do fundo da calça?). Errou muito em outros. Mas eu falo de uma coisa maior.

Sempre encontro com pessoas que votam no Serra apenas por votar, por serem contra o PT (?) ou tucanistas ou ex-malufistas (no fundo são os mesmos que já votaram no "rouba mas faz", "estupra mas não mata"). Alguém disse que a odeia... ?é, o governo dela até que não foi ruim mas prefiro o Serra?. Odeia por quê? Porque mesmo sendo burguesa (tudo o que eles queriam ser) e morar no Jardim Europa (onde eles queriam estar) e ser uma perua (tudo o que eles são e sem grana), fez o governo, entre erros e acertos, cagadas e peruadas, mais distribuidor de renda (talvez único) que já vi. Se você for pontuar as obras mais importantes, quais são: CEUs, bilhete único, transporte escolar, passa-rápidos, renda mínima... (gozado, tudo pra pobre!).

E o Serra? O Serra é o mesmo Serra que se transformou em presidente da UNE e na hora do vamos ver, na única hora em que o nosso nacionalismo foi posto à prova, em que unicamente lutamos contra um poder centralizador e autoritário, na hora do pega-pra-capar, o cara pegou um aviaozinho pago pelo pai e foi cursar seu exílio numa universidade qualquer da Europa (que hoje é currículo). Falam do Zé Dirceu, mas pelo menos brasileiro o cara foi, não teve medo de ser preso, interrogado, deportado. Precisamos de quem gosta dessa porra aqui e não de teóricos do poder, oportunistas do poder (?ah, se não dá pra presidente, vamos de prefeito, daqui a 2 anos tentamos de novo?). E olha que não vou falar no Zé Anibal. Falam dos programas do ministério da saúde. Quem sabe como isso é feito, sabe: o cara só assinou. E com medo da merda que ia dar. No começo sumiu, só apareceu quando a mídia comprou a idéia. Falando nisso, alguém ai já usou os serviços de algum hospital do Estado? Você levaria seu filho querido pra ser cuidado em algum hospital do Estado? Jura? Falam que é bom planejador. Ele foi ministro de planejamento de que governo? E o que planejou? Digam-me, tô perguntando.

Outros me falam dos aumentos dos impostos, do lixo e dos coqueiros. Meu deus! Eu tô falando de um governo igualitário. Eu tô falando de quem ganha 200 contos por mês e em vez de gastar 90 por mês de transporte, hoje gasta 30.

Eu tô falando de até onde o projeto dos CEUs (se forem bem planejados) pode chegar e a quantos pode atingir. O governo do psdb comanda o estado de São Paulo há mais de 10 anos. E aí? Melhorou o quê? A escola em que estudei nos cafundós da ZN (em que fui votar e é estadual), tá caindo aos pedaços, carteiras velhas, as mesmas lousas e mesas do tempo em que estudei... e olha que já faz um tempo. E os caras metem o pau nos CEUS. O cara que tava na ponta da mesa meteu o pau. Aí eu perguntei docemente:
- Você já foi em algum CEU?
Ha, ha, ha!, imagina se o cara de calca M. Officer ia até algum CEU... ha! ha! Fico só imaginando... E não adianta falar porque já fui, já vi as oficinas funcionando, a loucura que são os shows de música, a apresentação de peças de teatro, o monte de gente que em vez de fazer besteira estavam aproveitando os CEUS.

Falei da diminuição da violência (ainda pequena mas significativa). Aí, falaram:
- É, mas no estado também diminuiu.
Desculpa aí, mas estamos falando de coisas diferentes: no meu caso, tô falando que a violência pode ter diminuído pela existência e construção de novas opções na periferia e para o povo mais carente. Tô falando que se o cara tá no CEU, aprendendo alguma função, alguma profissão, tendo acesso à informação, tendo lugar para lazer, ele não vai estar pensando em fazer merda. No caso deles, será que estão falando da polícia militar que mata mais que todas as outras polícias do Brasil e que comprovadamente é racista? Que porra de paz é essa? Eu estive no jardim São Luiz conversando com pessoas dali. Os caras matam mesmo. Mais de 90 % dos jovens negros já foram parados pela polícia. Um amigo meu, negro, classe média alta, formado pelo Colégio Equipe, foi parado pela polícia só por estar parado na frente de um banco. É essa a diminuição da violência? Pra quem, cara pálida?

Apesar de sermos o estado mais rico, no interior vários trabalhadores da roça (agricultura que ainda move esse país) trabalham em sistema de escravidão. Alguém fala disso? A maioria (nem todos) dos que votam no Serra tem pelo menos alguma coisa em comum. Não sabem ouvir, preferem não acreditar no que quem conhece fala, pelo simples fato de que não entendem ou não querem entender nada. Economia pra eles é o bolso cheio em dia de shopping. Igualdade é todos pegarem o mesmo elevador (pra alguns). Política, então, nem se fala. "Ai, eu odeio política". Odeia porque não tem idéia do que se trata e onde ela influi na nossa vida. Estamos em um momento decisivo pra melhorar a base da população brasileira.

Não entendem que pra tirar morador de rua da rua, não é assassinando os caras a paulada, mas sim dando educação, lazer, informação. Preparando e não eliminando. Não entendem que quem tem carro e chega à hora que quiser em casa, também tem que ceder um pouco do seu espaço pra quem não tem condição de ter carro e pega seis conduções pra ir e voltar do trabalho. E que em vez de 3 horas podem chegar em menos de duas. Pergunta: cadê o metrô?

Não entendem que o único governo que foi direcionado mais pra quem não tem do que pra quem tem está sendo testado. E que se for recusado nenhum outro governo surgirá com a mesma fórmula. Então tá. Vamos voltar à velha escola, à velha fórmula. Coronéis, famílias quatrocentistas dos meios de comunicação comandando o país, a manipulação da informação e dos dados, tal censura, quem sabe muros (hein Conde, quer vir pra cá?) pra separar o Jardim Ângela com guaritas e pedágios (bom, na marginal o governo do estado já está providenciando), quem sabe ditaduras militares ou da mídia, quem sabe mulheres em casa, cintos de castidade. Quem sabe, quem sabe.

Desculpem pela faladeira, é que eu tô puto. Mas passa. Quem sabe em 4 anos ou quem sabe em um fim de semana. Quem sabe. Desculpem o português errado mas como tem gente que acha que educação não é importante, belê. Alguém sabe?

Abratzo, bom fim de semana e quem sabe com sol, né, Pedro!

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