sexta-feira, outubro 29, 2004

"Caros amigos,

Há momentos em que temos de nos manifestar em termos de opções políticas. A atual administração me pediu para checar as suas cifras. Uma visão externa freqüentemente ajuda. O que trago é um depoimento.

Só os inconscientes não vêm o drama social desta cidade. Cidade Tiradentes, na Zona Leste, tem uma taxa de crescimento demográfica de quase 8%, uma população em idade ativa de 124 mil pessoas, e 2.274 empregos formais. Quase 80% dos chefes de família têm uma renda de menos de 5 salários mínimos. Parelheiros, na Zona Sul, tem uma taxa de crescimento de 7%, uma população em idade ativa de 70 mil pessoas, e 4.592 empregos. Os que têm menos de 5 SM somam 83% dos chefes de família. Perus, na região noroeste, tem uma taxa de crescimento de 7%, uma população em idade ativa de 72 mil pessoas, e 2.939 empregos formais. Com menos de 5 SM, 76% dos chefes de família. Pinheiros, na Zona Oeste, tem um crescimento demográfico de - 2,4%, uma população em idade ativa de 198 mil pessoas, e uma quantidade de empregos que atinge 238 mil. Em Pinheiros, apenas 16% dos chefes de família ganham até 5 SM, 45% ganham mais de 20 salários mínimos.

Todos os dados que tive ocasião de analisar coincidem em termos territoriais: são as mesmas regiões que têm maior crescimento demográfico, que têm menos empregos, que têm um DH mais baixo, que apresentam maior taxa de gravidez adolescente, maior índice de criminalidade, menor nível de renda. Os quatro exemplos de subprefeituras que apresentamos acima, com dados de 2000 de diversas instituições, nos levam a uma conclusão óbvia: o reequilibramento social e econômico da cidade é de longe o principal problema, e constitui inclusive o melhor interesse de médio prazo da própria população rica da cidade. Ninguém lucra com o caos que foi se instalando durante décadas de investimentos centrados nos bairros prósperos e na circulação automobilística.

Isto tem implicações práticas. A cidade não cresce onde há mais empregos, pelo contrário, cresce onde há menos. Pinheiros, inclusive, perde população. Em conseqüência, a necessidade de transporte público decente e mais barato para esta massa de população que diariamente se desloca das regiões de habitação para as regiões de trabalho, constitui uma prioridade de primeira ordem. Uma faixa para transporte coletivo transporta por hora cerca de 8 vezes mais pessoas do que uma faixa de automóveis particulares. É prioridade. Hoje as vans, que apostavam corridas com os ônibus para pegar passageiros nas avenidas, alimentam as linhas estruturais, que se tornaram mais rentáveis. Foi organizada uma divisão de trabalho. Hoje o passageiro pode otimizar a sua viagem pegando dois ou mais ônibus/ vans, sem pagar mais. Isto significa economia de tempo para a população, e significa um aumento muito significativo da produtividade sistêmica da idade. Que m conhece a dureza das negociações para se obter este tipo de ordenamento - com todas as ameaças possíveis envolvidas - sabe a coragem, obstinação e planejamento que oram necessários. Transporte público melhorado para a periferia significa um reequilibramento muito forte em termos de redistribuição de renda.

O essencial da criminalidade, da gravidez adolescente e outros dramas se dão nestas regiões da cidade. Ao se construir infraestruturas escolares que constituem não ó "escolas", mas espaços de integração comunitária e de atividades culturais - inclusive nos fins de semana ? em regiões onde não havia infraestrutura nenhuma, gerou-se um impacto impressionante de reconstrução de capital social. Visitei o CEU de Guaianazes, discuti a sua gestão e formas de inserção comunitária. Não sou nenhum Kofi Anan, mas conheci soluções educacionais inovadoras em numerosos países onde trabalhei no quadro das Nações Unidas, e não tenho dúvida em afirmar que se trata de uma inovação ao mesmo tempo corajosa e rentável: pois a rentabilidade de uma iniciativa deste tipo e mede em termos de resultados não só educacionais, mas também de articulação social. E todas estas infraestruturas privilegiaram as regiões mais pobres, gerando um reequilibramento igual mente significativo.

Todos sabemos que é melhor ensinar a pescar do que dar peixe. Mas para que as pessoas possam pescar é preciso criar infraestruturas adequadas. Mais de um quarto dos domicílios são hoje chefiados por mulheres que têm de buscar renda e cuidar de crianças ao mesmo tempo, em regiões sem empregos. Enquanto não se criam as infraestruturas adequadas - por exemplo no quadro do projeto de desenvolvimento econômico da Zona Leste, - é preciso ajudar as famílias com renda mínima, bolsa família e outros programas sociais que hoje atingem 1,4 milhão de pessoas na cidade. Assegurar que as pessoas que estão no limiar da miséria tenham um mínimo de renda para se alimentar constitui sólido investimento: o Banco Mundial calculou que 200 dólares que se deixam de gastar com uma gestante necessitada resultarão em 20 mil dólares de gastos durante a vida de uma pessoa que foi desnutrida quando mais precisava de cuidados. Os programas de apoio econômico à população mais vulnerável constituem hoje em São Paulo um gigantesco esforço de organização, de unificação de cadastros, de controle de uso dos recursos, esforço este que é estudado e seguido por diversos organismos internacionais, pois constitui um dos maiores esforços deste tipo já empreendidos.

Ah, mas as taxas! A prefeita Luiza Erundina, de quem tive a honra de ser Secretário, entregou a prefeitura com uma dívida da ordem de 4,5 bilhões, a dupla Maluf/Pitta elevou esta dívida para 22 bilhões, e hoje está em 27,6 bilhões. Ao elevar a dívida em 18 bilhões, Maluf e Pitta não precisaram cobrar impostos nem cobrar taxas: simplesmente jogaram a fatura para o administrador seguinte. Com isto, a gestão Marta se viu obrigada a pagar 13% da receita para administrar a dívida. Em termos políticos, não há dúvida que é muito mais esperto quem onera o futuro da cidade, do que quem enfrenta o desgaste de levantar o dinheiro das suas obras. Mas em termos de racionalidade de gestão, também não há dúvida sobre quem é um administrador responsável. Mas a desinformação é terrível: o paulistano não entende que está pagando sob forma de impostos 1 bilhão por ano para empurrar a dívida essencialmente construída durante a era Maluf/Pitta, montante incomparavelmente superior às taxas de lixo e outras criadas pela administração atual. Aliás um processo lamentavelmente semelhante se deu com a chamada "estabilidade financeira" do governo de Fernando Henrique Cardoso, que elevou a dívida de cerca de 100 para cerca de 800 bilhões de reais, chegando a pagar 49% de juros aos intermediários financeiros, e entregando esta dívida ao governo Lula com uma taxa de 24,5%, quando os juros internacionais estão na faixa de 2%. Hoje o dinheiro dos juros desta dívida sai dos nossos bolsos, sob forma de imposto que nunca precisou ser formalmente criado. E se chamou esta era de "estabilidade". A grande diferença, é que as taxas são criadas de forma aberta, oneram mais quem mais usa os serviços, isentam os pobres da cidade, e constituem uma forma mais de transferência de renda dos mais ricos para os mais pobres. Falar mal do governo, de qualquer governo, e criticar os impostos, sempre dá Ibope. Mas o que é realmente perigoso são os impostos escondidos sob forma de endividamento, e o que é realmente importante é que o imposto seja assumido, cobrado de quem gera custos, e transformado em iniciativas que nos tirem gradualmente do desastroso desequilíbrio social herdado.

Não vou aqui entrar na descrição das diversas dimensões da gestão, como não vou entrar na discussão sobre quem é mais simpático. O que me interessa realmente, é que eu sei profissionalmente avaliar uma administração, e ao ver o resgate dos mecanismos de planejamento realizados nestes quatro anos por Jorge Wilheim, a eficiência impressionante da equipe de Márcio Pochmann nos programas de desenvolvimento econômico e de redistribuição de renda, a racionalização do sistema de transporte, a multiplicação de telecentros na periferia, a transformação essencial que vai significar a implantação das subprefeituras em termos de desburocratização e democratização da cidade, a dinâmica dos programas culturais e tantas outras realizações em curso - fico na angústia da nossa eterna praga, de um novo administrador que diz que vai fazer tudo diferente ou melhor. Na minha visão, são centenas de técnicos de primeira linha que desenvolveram um imenso esforço nestes quatro anos, e que merecem um segundo tempo. E sobretudo, São Paulo merece a continuidade do reequilibramento social empreendido.

Eu voto Marta sem nenhum problema nem dúvida. Confesso que fiquei surpreendido com a amplitude de realizações, e a explicação que encontrei é a seguinte: a Marta sabe escolher os seus secretários, e saber escolher um bom time é de longe a principal qualidade de um administrador. A minha simpatia mesmo é com a massa de pobres das periferias desta cidade, que pela primeira vez são tratados de maneira diferenciada.

Peço ao leitor que veja estas linhas não como uma agressão a quem pensa diferente, mas como uma contribuição. Para quem achar que vale a pena, os dados básicos da gestão estão no documento acessível no site abaixo. E não é um documento da área da briga de galos, mas do pessoal de linha que luta pelas realizações.

http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/governo/balanco/0003


Um abraço, Ladislau Dowbor

São Paulo, 25 de outubro de 2004"


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Para saber um pouco mais sobre o autor:
Ladislau Dowbor, formado em economia política pela Universidade de Lausanne, Suiça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, Polônia (1976). Atualmente é professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, nas áreas de economia e administração. Continua com o trabalho de consultoria para diversas agencias das Nações Unidas, governos e municípios, bem como do Senac. Atua como Conselheiro na Fundação Abrinq, Instituto Polis, Transparência Brasil e outras instituições.
(mais consultas sobre o autor no site http://ppbr.com/ld/sobreld.asp)